“Ninguém disse que ia ser fácil” é uma frase que nos repetimos, a espaços, desde quase o primeiro momento em que nos reencontrámos. Longe estávamos nesse momento sequer de imaginar o quanto significado essa frase iria tomar nas nossas vidas. Mas os dias sucederam-se, os acontecimentos atropelaram-se e conseguimos ter sempre um momento em que de olhos nos olhos, nos confortámos mutuamente repetindo-nos a velha frase: “Ninguém disse que ia ser fácil”!
Nos momentos mais difíceis deste meu “exílio”, recordo toda a convicção com que enfrentámos cada dia deste ano que já passou, e procuro forças nesse olhar que sempre me disse que não ia ser fácil, mas que seríamos capazes.
Quando me sinto cansado, triste, desanimado, perdido, esquecido, negligenciado, ou outra coisa qualquer que me tire as forças, agarro-me a essas lembranças e procuro desesperadamente por um qualquer meio de comunicação que me permita sentir-te mais perto. Continuas a ser a minha força, o meu querer.
Sei que com o passar dos meses, esta minha necessidade de contacto quase permanente cansa, que me pode transformar num chato grudento que não arranja mais nada que fazer de forma a passar o tempo. O tal tempo que custa tanto a passar.
Mas confesso a minha incapacidade em arranjar forças de outra forma.
Realmente “ninguém disse que ia ser fácil”, mas nunca acreditámos que viesse a ser tão difícil. E sem a tua força, fica ainda mais.
Fácil é mesmo só amar-te. Muito fácil. Desculpa este chato. Fiquem bem, à luz da Lua.
domingo, 20 de julho de 2008
quarta-feira, 16 de julho de 2008
Não à sabotagem! Não ao Titanic! Sim a palhaçar no Oásis!
Estava eu a confrontar-me com a minha incapacidade de dar corpo a um texto que fizesse sentido a partir de pensamentos avulsos, que por muito que sejam meus nem a mim me fazia grande sentido porque estaria a tentar dar-lhes sentido, se o mais certo é não terem significado nenhum, por muito que quando me atravessem o espírito, atormentem a alma ou aqueçam o coração me pareçam o mais óbvio e natural de pensar, ainda para mais colocados avulsamente em texto forçado para o efeito, perderiam decerto toda e qualquer possibilidade de se parecerem com qualquer coisa que qualquer pessoa dita normal, ou mesmo especial, pudesse achar algum sentido em sentir. Estava eu portanto nesta minha dialéctica entre o querer afirmar o que sinto, o risível da forma como o penso e a falta de arte ou total incapacidade de arranjar maneira de tornar perceptível a terceiros aquilo que nem eu próprio entendo, excepto nos momentos em que penso tais coisas, quando me lembrei que mais valia não arriscar a proeza de não ser entendido, ser mal interpretado, passar por mal intencionado, tudo isto entre gargalhadas de desdém, olhares de reprovação e recomendações de ajuda psiquiátrica, e antes sim, trazer à luz da Lua um texto de apresentação de um livro, que confesso não ter lido e não fazer ideia se o conteúdo do dito coincide ou faz justiça à forma como é apresentado – vou pôr um ponto final nesta frase, embora continue na seguinte a abordar o mesmo tema, só para que o Saramago não me processe por plágio ortográfico. O livro que é apresentado intitula-se “Ideias para sabotar a nossa Vida” e pode ser que seja mais que apenas mais um daqueles livrinhos, agora muito em moda, de auto-ajuda e que resolvem tudo, tipo homem da Macroconta (já falecido). Gostei das ideias chave do texto de apresentação (agradeço a quem possa ter lido ou venha a ler que me comente algo mais sobre o assunto), pareceu-me uma abordagem séria sobre uma temática que confesso trazer na ordem do dia, e o mais importante de tudo, aquilo que realmente me convenceu a trazê-lo aqui, é que o que tinha previsto para ocupar algumas linhas desta trova, não fazia rigorosamente sentido nenhum. Espero que no fim de contas, retirem do que vão ler mais do que apenas “o mal menor”, que é no fundo aquilo que é.
Começa a transcrição:
Ideias para sabotar a nossa vida
Jacques Arènes (Psicanalista) e Nathalie Sarthou-Lajus (Teóloga), são os autores dum livro muito interessante e que da que pensar.
Da síntese deste livro resultam três pontos essenciais que o psicanalista considera serem três “mecanismos assassinos” que podem dar cabo da nossa vida, literalmente falando.
“As nossa estratégias de sabotagem” é o título da síntese em questão, onde o especialista francês explica os mecanismos e dá pistas para os desactivar. Jacques Arènes começa por advertir contra o perigo das expectativas, dizendo que muitas pessoas afundam na tristeza ou no desânimo, justamente por terem expectativas demasiado altas ou distorcidas da realidade. È muito importante ajustar as nossas expectativas, portanto.
Quanto aos “mecanismos assassinos” são os seguintes: a ruminação constante de ideias e sentimentos; viver permanentemente à defesa e sentir-se sempre responsável por tudo e por todos.
A boa noticia é que a esmagadora maioria das pessoas tem activado em si apenas um ou dois destes mecanismos, mas raramente os três. Antes assim.
Começando pela ruminação constante, muitos dos que passam a vida a ruminar as suas mágoas acham que vivem no “lado errado” da vida. Sentem-se menos amados e consideram que têm menos oportunidades que os outros. Nem sempre é verdade mas, mesmo que seja, a energia que consomem nesta ruminação negativa é um desperdício fatal. Ainda que seja infinitamente mais fácil teorizar do que concretizar na prática, é possível tomar consciência desta atitude e fazer tudo para tentar contrariá-la.
“Quando os meus pacientes insistem naquilo que não têm ou não tiveram nunca, como o amor dos pais, por exemplo, digo-lhes que não podem “refabricar” a sua infância e fazê-la mais feliz.
Por outro lado, sublinho que aquilo que eles viveram, mais ninguém viveu e é essa singularidade que os constitui como pessoas e lhes dá mais profundidade como seres humanos”, esclarece Jacques Arènes. A ideia é ajudar estas pessoas a mudar o olhar sobre si mesmas, de forma a terem uma percepção mais clara sobre a margem de liberdade que têm para lidar com a falta de amor ou a adversidade . E é esta margem que nos permite cultivar uma atitude mais negativa ou mais positiva.
Quanto aos que vivem permanentemente à defesa, o psicanalista francês é muito eloquente : “Controlam os acontecimentos para se protegerem e nunca arriscam nada do ponto de vista afectivo. São pessoas que se constróem muito sozinhas, estabelecem metas demasiado ambiciosas e, na relação a dois, têm níveis de exigência desmedidos. Nunca ninguém realmente lhes serve, porque estão reféns dos seus próprios medos e ficam facilmente prisioneiros de ideais inalcançáveis”. O autor sugere que se baixem as defesas, identifiquem os seus medos e aceitem correr riscos pois, caso contrário, arriscam passar ao lado da própria vida. “É importante dizer a estas pessoas que a vida não volta a servir os mesmos pratos. Muitas das oportunidades que se perdem no momento ficam perdidas para sempre.”
Finalmente, os que se sentem responsáveis por tudo. Estes são os que acham que são os autores da própria vida e que chamam a si a responsabilidade por todos os fracassos. Os seus, os dos seus filhos, os dos seus pares e até, os dos seus amigos. Esta hiper-responsabilização pode traduzir-se de duas formas: a angústia permanente ou a vitimização constante. Jacques Arènes diz que ajuda muito pedir a opinião dos outros e ganhar distancia crítica em relação aos acontecimentos e às pessoas que lhes estão próximas. Só assim é possível escapar a esta espiral perversa de auto-acusação ou justificação.
Enfim, resumindo a ciência deste especialista, vale a pena estar atento aos nossos “mecanismos assassinos” e neutralizar todas as nossa estratégias de sabotagem da vida e da Alegria.
Fim de transcrição.
Que dizem? Valeu a pena a minha prosápia introdutória? Vontadinha de ler o livro? Há carapuças enfiadas ou perguntas feitas no intimo? Pois não sei. Cada um é como cada qual e mais uma quantidade de provérbios que agora não me ocorrem. Eu gostei do texto, gostei de o partilhar, e acho que é decerto mais útil do que meia dúzia de alarvidades lamechas, por muito sentidas que fossem. Como diz a minha amiga Cecília: “sem vontade de ter vontade não há vontade”, e eu hoje forcei a vontade de “palhaçar”!
E termino a trova, imbuído de disposição “em alta”, trazendo outra pérola a esta face luminosa da Lua. Algo que há uns meses um amigo me escreveu em tom de alerta, que eu inicialmente refutei e depois entranhei. E só mesmo hoje para o partilhar. No meio de tanta animação, auto-ajuda e fuga a tudo o que me atormenta sem sentido.
“Nada se compara com aquilo que te espera.
Vais-te sentir mais só que os passageiros do Titanic.
Vais sentir mais frio que os mendigos russos.
Vais-te sentir mais triste que uma mãe que perdeu os filhos.
Ainda assim aguentarás. Porque é urgente aguentar. Atravessar o deserto para valorizar a água do oásis.”
A carta há-de chegar a Garcia. E eu descansarei no teu oásis lunar. Fiquem bem, à luz da Lua.
Começa a transcrição:
Ideias para sabotar a nossa vida
Jacques Arènes (Psicanalista) e Nathalie Sarthou-Lajus (Teóloga), são os autores dum livro muito interessante e que da que pensar.
Da síntese deste livro resultam três pontos essenciais que o psicanalista considera serem três “mecanismos assassinos” que podem dar cabo da nossa vida, literalmente falando.
“As nossa estratégias de sabotagem” é o título da síntese em questão, onde o especialista francês explica os mecanismos e dá pistas para os desactivar. Jacques Arènes começa por advertir contra o perigo das expectativas, dizendo que muitas pessoas afundam na tristeza ou no desânimo, justamente por terem expectativas demasiado altas ou distorcidas da realidade. È muito importante ajustar as nossas expectativas, portanto.
Quanto aos “mecanismos assassinos” são os seguintes: a ruminação constante de ideias e sentimentos; viver permanentemente à defesa e sentir-se sempre responsável por tudo e por todos.
A boa noticia é que a esmagadora maioria das pessoas tem activado em si apenas um ou dois destes mecanismos, mas raramente os três. Antes assim.
Começando pela ruminação constante, muitos dos que passam a vida a ruminar as suas mágoas acham que vivem no “lado errado” da vida. Sentem-se menos amados e consideram que têm menos oportunidades que os outros. Nem sempre é verdade mas, mesmo que seja, a energia que consomem nesta ruminação negativa é um desperdício fatal. Ainda que seja infinitamente mais fácil teorizar do que concretizar na prática, é possível tomar consciência desta atitude e fazer tudo para tentar contrariá-la.
“Quando os meus pacientes insistem naquilo que não têm ou não tiveram nunca, como o amor dos pais, por exemplo, digo-lhes que não podem “refabricar” a sua infância e fazê-la mais feliz.
Por outro lado, sublinho que aquilo que eles viveram, mais ninguém viveu e é essa singularidade que os constitui como pessoas e lhes dá mais profundidade como seres humanos”, esclarece Jacques Arènes. A ideia é ajudar estas pessoas a mudar o olhar sobre si mesmas, de forma a terem uma percepção mais clara sobre a margem de liberdade que têm para lidar com a falta de amor ou a adversidade . E é esta margem que nos permite cultivar uma atitude mais negativa ou mais positiva.
Quanto aos que vivem permanentemente à defesa, o psicanalista francês é muito eloquente : “Controlam os acontecimentos para se protegerem e nunca arriscam nada do ponto de vista afectivo. São pessoas que se constróem muito sozinhas, estabelecem metas demasiado ambiciosas e, na relação a dois, têm níveis de exigência desmedidos. Nunca ninguém realmente lhes serve, porque estão reféns dos seus próprios medos e ficam facilmente prisioneiros de ideais inalcançáveis”. O autor sugere que se baixem as defesas, identifiquem os seus medos e aceitem correr riscos pois, caso contrário, arriscam passar ao lado da própria vida. “É importante dizer a estas pessoas que a vida não volta a servir os mesmos pratos. Muitas das oportunidades que se perdem no momento ficam perdidas para sempre.”
Finalmente, os que se sentem responsáveis por tudo. Estes são os que acham que são os autores da própria vida e que chamam a si a responsabilidade por todos os fracassos. Os seus, os dos seus filhos, os dos seus pares e até, os dos seus amigos. Esta hiper-responsabilização pode traduzir-se de duas formas: a angústia permanente ou a vitimização constante. Jacques Arènes diz que ajuda muito pedir a opinião dos outros e ganhar distancia crítica em relação aos acontecimentos e às pessoas que lhes estão próximas. Só assim é possível escapar a esta espiral perversa de auto-acusação ou justificação.
Enfim, resumindo a ciência deste especialista, vale a pena estar atento aos nossos “mecanismos assassinos” e neutralizar todas as nossa estratégias de sabotagem da vida e da Alegria.
Fim de transcrição.
Que dizem? Valeu a pena a minha prosápia introdutória? Vontadinha de ler o livro? Há carapuças enfiadas ou perguntas feitas no intimo? Pois não sei. Cada um é como cada qual e mais uma quantidade de provérbios que agora não me ocorrem. Eu gostei do texto, gostei de o partilhar, e acho que é decerto mais útil do que meia dúzia de alarvidades lamechas, por muito sentidas que fossem. Como diz a minha amiga Cecília: “sem vontade de ter vontade não há vontade”, e eu hoje forcei a vontade de “palhaçar”!
E termino a trova, imbuído de disposição “em alta”, trazendo outra pérola a esta face luminosa da Lua. Algo que há uns meses um amigo me escreveu em tom de alerta, que eu inicialmente refutei e depois entranhei. E só mesmo hoje para o partilhar. No meio de tanta animação, auto-ajuda e fuga a tudo o que me atormenta sem sentido.
“Nada se compara com aquilo que te espera.
Vais-te sentir mais só que os passageiros do Titanic.
Vais sentir mais frio que os mendigos russos.
Vais-te sentir mais triste que uma mãe que perdeu os filhos.
Ainda assim aguentarás. Porque é urgente aguentar. Atravessar o deserto para valorizar a água do oásis.”
A carta há-de chegar a Garcia. E eu descansarei no teu oásis lunar. Fiquem bem, à luz da Lua.
domingo, 13 de julho de 2008
Amor sem Tempo
Dói cada vez mais. A cada dia que passa, embora esse passar encurte o caminho que me recolocará nos teus braços, sinto mais fundo e forte a tua ausência em mim, a minha ausência em ti. Tens em mim uma confiança inabalável, mas começas a questionar os porquês. Eu tenho uma esperança infinita em nós, mas sinto-nos cada vez mais longe.
A tristeza da distância; o confronto com o desconhecido; a falta da companhia e do carinho; as vozes embargadas pela saudade e pelo cansaço; a procura e a espera constantes por notícias, mesmo quando sabemos não ter muito mais para contar ou ouvir; a ânsia de que o tempo avance rápido e sistematicamente se mostra parado; o tão grande querer e não saber nem como, nem quando, nem se se é capaz; a falta do olhar cúmplice, do sorriso expontâneo, do ombro forte e disponível, do corpo quente a velar o sono; as questões e dúvidas próprias e legítimas de quem sempre primou pelo uso da razão e agora se confronta com razões que a própria razão descohece ou não alcança, a líbido perdida ou atrofiada. O passar do tempo tudo isto aumenta, tristemente não traz respostas, confunde.
O que temos e que tanto lutámos para construir não pode e não vai perder-se em tempo algum. Vai haver tempo para que em tempo o possamos viver em espaço comum e consciência absoluta. Esta é a minha convicção, o meu grande desejo. Que faz com que suporte todos os tempos.
Que a tua confiança inabalável e a minha esperança infinita triunfem um dia sobre todas as farpas que o maldito tempo que não passa insiste em cravar.
Confesso que nunca li nada de Inês Pedrosa, desconheço a sua obra e percurso. Não tenho por isso qualquer juizo de valor criado sobre si e a sua escrita. Por mero acaso do destino (potenciado pelo meu excesso de tempo vazio de significado) choquei de frente com a crónica da escritora, que transcrevo abaixo. De uma outra forma, mais que não seja porque cada um tem a sua forma própria de viver o Tempo e o Amor - uns com maior falta de um ou excesso do outro, ou uma incapacidade de entender em momento útil como viver com os dois ou a sua falta - julgo coincidir com a cronista em algumas das considerações que faz sobre o tema. As palavras a partir daqui são dela, os sublinhados são meus, a vontade de viver de determinada forma e não passar ao lado da Felicidade acho que é dos dois. E o meu sim, é para ti, meu Amor.
O Amor e o Tempo por Inês Pedrosa
"Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure"
Vinicius de Moraes
O PROBLEMA do amor é o tempo. O tempo é, aliás, o problema de todos os sentimentos e actos da vida, o inescapável fantasma. O amor é a única possibilidade de transcendência temporal que nos é dada - não porque dure toda a vida mas por ser "infinito" enquanto dura, como escreveu Vinicius de Moraes. Paradoxalmente, neste nosso mundo de dia para dia mais sofisticado e carregado de sabedorias diversas, cada vez há mais gente menos certa de alguma vez ter conhecido o amor. Será o conhecimento assim tão incompatível com a eternidade? Teria razão aquele Deus castigador que condenou ao suplício da vergonha e dos trabalhos forçados as suas criaturas inaugurais, porque se atreveram a sair da plácida pobreza de espírito?
Claro que a narrativa bíblica pode ser interpretada de outra forma: Deus enviou a maçã e a serpente para que as suas criaturas ganhassem o direito ao livre-arbítrio. Nesta interpretação, que me parece muito mais digna da divindade - porque parte do princípio da Liberdade -, Eva e Adão saíram do paraíso oferecido para construírem, eles próprios, o seu paraíso, à sua maneira. Beneficiaram de um crédito vantajoso de que mais nenhum casal no mundo voltou a dispor: eram os únicos seres humanos sobre a Terra. Incomparáveis. Nascidos, sem apelo nem agravo, um para o outro. Hoje, esta pré-determinação parecer-nos-ia o inferno (e é um inferno em que moram ainda muitas raparigas e rapazes, pelo mundo fora), mas, naquele Tempo sem tempo, o caso não se punha assim: Eva não sofria a concorrência de nenhuma Maria cheia de graça e sem celulite, e os músculos de Adão, mirraditos pela falta de ginásio e trabalhos duros, brilhavam na ausência de qualquer espelho, janela ou lavador de janelas. Podiam ficar fartos um do outro sem se aperceberem dessa fartura - não tinham mais ninguém com quem conversar. Não tinham sequer a possibilidade de se interrogarem sobre outras orientações sexuais. Viviam entre flores e frutos, em pleno desenvolvimento sustentável. Quando penso nesse paraíso, deixo de ter medo de cobras. Todas as coisas têm os seus lados positivos e as suas horas de fulgor. E estou em crer que, por muito que tenham gritado um com o outro, depois da saída do paraíso, e até amaldiçoado a sua sorte, Adão e Eva se divertiram mais nessa vida mortal que depois lhes coube do que na eternidade sem tempo de onde saíram.
Pois que é a eternidade sem tempo? Nada. E o tempo sem eternidade? Um inferno. Este período que nos calhou viver assemelha-se demasiado ao inverso do paraíso: em vez de pasmaceira e imortalidade, trabalho contínuo a contra-relógio. Um e outro sistema alienam a liberdade humana. O excesso de consciência da vida (ou seja, da morte) aniquila-nos a própria experiência da vida. Corremos, em vez de vivermos. Precipitamo-nos, em vez de escolhermos. Como aprendemos que o amor não se escolhe, coleccionamos beijos e corpos na ânsia de que essa essência mágica surja, como uma aparição, de dentro de um deles. A ansiedade pelo grande momento faz-se carrasco da possibilidade desse momento (Henry James escreveu sobre este tema um livrinho magistral, "A Fera na Selva").
Estamos cercados pelo apelo da paixão. Lançamo-nos ao sexo em busca da paixão, ou para a esquecer, o que é sinal do mesmo desespero. Não queremos morrer sem ter vivido tudo, e o tudo é cada vez mais visível e impossível de alcançar. Acresce que demoramos mais a morrer; a velhice é tão implacável como sempre foi - com a gravidade suplementar de se ter tornado mais longa.
O infinito é a medida da eternidade humana. A ciência desfibra-nos em hormonas e compostos químicos para explicar que a paixão tem razões fisiológicas que se esgotam ao fim de dois anos de convívio (três, com sorte). Para que queremos saber tanto? Para perder o deslumbramento absoluto da primeira troca de olhares, para perder o contacto com a eternidade que só esses instantes de entrega radical nos dão a ver. Beijamo-nos e pensamos no dia em que deixaremos de nos beijar - sem reparar que o pensamento nos conduz de imediato a esse dia. Não nos entregamos para não sofrer - e que encantamento tem essa vida sem entrega?
"Tu és a minha casa, contigo eu sou livre" - diz o amante a Lady Chatterley, no belíssimo filme de Pascale Ferran, inspirado no clássico de D. H. Lawrence. O sexo levou este par de amantes à paixão, a paixão conduziu-os ao amor, a uma visão mais lúcida e radical da existência, e ao êxtase espiritual da liberdade partilhada. Por isso o filme acaba com um sim: "Chamar-me-ás se te sentires infeliz sem mim, mesmo que daqui a muito tempo?" Sim, diz ele. Falta-nos hoje essa capacidade de nos entregarmos primeiro, sem medo, e de cobrir de flores o corpo amado, como se não houvesse outro corpo nem outra terra no mundo - e de então escolher a eternidade infinita desse momento como destino imóvel, para lá das mil circunstâncias e corpos da vida, num simples e imortal sim.
Vivam o Amor, em Tempo. E fiquem bem, à luz da Lua.
A tristeza da distância; o confronto com o desconhecido; a falta da companhia e do carinho; as vozes embargadas pela saudade e pelo cansaço; a procura e a espera constantes por notícias, mesmo quando sabemos não ter muito mais para contar ou ouvir; a ânsia de que o tempo avance rápido e sistematicamente se mostra parado; o tão grande querer e não saber nem como, nem quando, nem se se é capaz; a falta do olhar cúmplice, do sorriso expontâneo, do ombro forte e disponível, do corpo quente a velar o sono; as questões e dúvidas próprias e legítimas de quem sempre primou pelo uso da razão e agora se confronta com razões que a própria razão descohece ou não alcança, a líbido perdida ou atrofiada. O passar do tempo tudo isto aumenta, tristemente não traz respostas, confunde.
O que temos e que tanto lutámos para construir não pode e não vai perder-se em tempo algum. Vai haver tempo para que em tempo o possamos viver em espaço comum e consciência absoluta. Esta é a minha convicção, o meu grande desejo. Que faz com que suporte todos os tempos.
Que a tua confiança inabalável e a minha esperança infinita triunfem um dia sobre todas as farpas que o maldito tempo que não passa insiste em cravar.
Confesso que nunca li nada de Inês Pedrosa, desconheço a sua obra e percurso. Não tenho por isso qualquer juizo de valor criado sobre si e a sua escrita. Por mero acaso do destino (potenciado pelo meu excesso de tempo vazio de significado) choquei de frente com a crónica da escritora, que transcrevo abaixo. De uma outra forma, mais que não seja porque cada um tem a sua forma própria de viver o Tempo e o Amor - uns com maior falta de um ou excesso do outro, ou uma incapacidade de entender em momento útil como viver com os dois ou a sua falta - julgo coincidir com a cronista em algumas das considerações que faz sobre o tema. As palavras a partir daqui são dela, os sublinhados são meus, a vontade de viver de determinada forma e não passar ao lado da Felicidade acho que é dos dois. E o meu sim, é para ti, meu Amor.
O Amor e o Tempo por Inês Pedrosa
"Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure"
Vinicius de Moraes
O PROBLEMA do amor é o tempo. O tempo é, aliás, o problema de todos os sentimentos e actos da vida, o inescapável fantasma. O amor é a única possibilidade de transcendência temporal que nos é dada - não porque dure toda a vida mas por ser "infinito" enquanto dura, como escreveu Vinicius de Moraes. Paradoxalmente, neste nosso mundo de dia para dia mais sofisticado e carregado de sabedorias diversas, cada vez há mais gente menos certa de alguma vez ter conhecido o amor. Será o conhecimento assim tão incompatível com a eternidade? Teria razão aquele Deus castigador que condenou ao suplício da vergonha e dos trabalhos forçados as suas criaturas inaugurais, porque se atreveram a sair da plácida pobreza de espírito?
Claro que a narrativa bíblica pode ser interpretada de outra forma: Deus enviou a maçã e a serpente para que as suas criaturas ganhassem o direito ao livre-arbítrio. Nesta interpretação, que me parece muito mais digna da divindade - porque parte do princípio da Liberdade -, Eva e Adão saíram do paraíso oferecido para construírem, eles próprios, o seu paraíso, à sua maneira. Beneficiaram de um crédito vantajoso de que mais nenhum casal no mundo voltou a dispor: eram os únicos seres humanos sobre a Terra. Incomparáveis. Nascidos, sem apelo nem agravo, um para o outro. Hoje, esta pré-determinação parecer-nos-ia o inferno (e é um inferno em que moram ainda muitas raparigas e rapazes, pelo mundo fora), mas, naquele Tempo sem tempo, o caso não se punha assim: Eva não sofria a concorrência de nenhuma Maria cheia de graça e sem celulite, e os músculos de Adão, mirraditos pela falta de ginásio e trabalhos duros, brilhavam na ausência de qualquer espelho, janela ou lavador de janelas. Podiam ficar fartos um do outro sem se aperceberem dessa fartura - não tinham mais ninguém com quem conversar. Não tinham sequer a possibilidade de se interrogarem sobre outras orientações sexuais. Viviam entre flores e frutos, em pleno desenvolvimento sustentável. Quando penso nesse paraíso, deixo de ter medo de cobras. Todas as coisas têm os seus lados positivos e as suas horas de fulgor. E estou em crer que, por muito que tenham gritado um com o outro, depois da saída do paraíso, e até amaldiçoado a sua sorte, Adão e Eva se divertiram mais nessa vida mortal que depois lhes coube do que na eternidade sem tempo de onde saíram.
Pois que é a eternidade sem tempo? Nada. E o tempo sem eternidade? Um inferno. Este período que nos calhou viver assemelha-se demasiado ao inverso do paraíso: em vez de pasmaceira e imortalidade, trabalho contínuo a contra-relógio. Um e outro sistema alienam a liberdade humana. O excesso de consciência da vida (ou seja, da morte) aniquila-nos a própria experiência da vida. Corremos, em vez de vivermos. Precipitamo-nos, em vez de escolhermos. Como aprendemos que o amor não se escolhe, coleccionamos beijos e corpos na ânsia de que essa essência mágica surja, como uma aparição, de dentro de um deles. A ansiedade pelo grande momento faz-se carrasco da possibilidade desse momento (Henry James escreveu sobre este tema um livrinho magistral, "A Fera na Selva").
Estamos cercados pelo apelo da paixão. Lançamo-nos ao sexo em busca da paixão, ou para a esquecer, o que é sinal do mesmo desespero. Não queremos morrer sem ter vivido tudo, e o tudo é cada vez mais visível e impossível de alcançar. Acresce que demoramos mais a morrer; a velhice é tão implacável como sempre foi - com a gravidade suplementar de se ter tornado mais longa.
O infinito é a medida da eternidade humana. A ciência desfibra-nos em hormonas e compostos químicos para explicar que a paixão tem razões fisiológicas que se esgotam ao fim de dois anos de convívio (três, com sorte). Para que queremos saber tanto? Para perder o deslumbramento absoluto da primeira troca de olhares, para perder o contacto com a eternidade que só esses instantes de entrega radical nos dão a ver. Beijamo-nos e pensamos no dia em que deixaremos de nos beijar - sem reparar que o pensamento nos conduz de imediato a esse dia. Não nos entregamos para não sofrer - e que encantamento tem essa vida sem entrega?
"Tu és a minha casa, contigo eu sou livre" - diz o amante a Lady Chatterley, no belíssimo filme de Pascale Ferran, inspirado no clássico de D. H. Lawrence. O sexo levou este par de amantes à paixão, a paixão conduziu-os ao amor, a uma visão mais lúcida e radical da existência, e ao êxtase espiritual da liberdade partilhada. Por isso o filme acaba com um sim: "Chamar-me-ás se te sentires infeliz sem mim, mesmo que daqui a muito tempo?" Sim, diz ele. Falta-nos hoje essa capacidade de nos entregarmos primeiro, sem medo, e de cobrir de flores o corpo amado, como se não houvesse outro corpo nem outra terra no mundo - e de então escolher a eternidade infinita desse momento como destino imóvel, para lá das mil circunstâncias e corpos da vida, num simples e imortal sim.
Vivam o Amor, em Tempo. E fiquem bem, à luz da Lua.
quarta-feira, 9 de julho de 2008
A lição, o tpc , o excel e a luz da Lua
Acredito que todos os dias se aprende. Basta para tal que não nos abstenhamos de sentir e de pensar. Acredito que independentemente dos nossos estados de alma, de estarmos felizes e "de bem" com a Vida, ou de estarmos "em guerra" com os Deuses e seus desígnios, cada dia que passa é uma lição para exercitar no dia seguinte, que cada dia que começa é o "tpc" do dia anterior. E hoje não foi excepção. O dia de hoje proporcionou-me mais uma lição, com variados professores - que nesta escola não há professores titulares nem substitutos - e eu, tal como um bom aluno mas que se distrai com facilidade, tento agora no final da aula lembrar-me de tudo o que aprendi de forma a poder fazer o "tpc" e preparar-me para acolher outros ensinamentos amanhã.
Hoje ocupei parte do meu dia a elaborar mapas de excel com comparativos de produção de vários anos, analisar desvios, perspectivar correcções. Depois dos mapas feitos tive que encontrar uma forma, um discurso, um método de "embrulhar" as conclusões da análise dos números expostos em mapa para remeter a um "ser" superior e que nada me tinha pedido. Tive então também que arranjar uma forma de fazer com que o discurso parecesse normal, atendendo que ninguém tinha solicitado o trabalho com que ocupei o dia.
Ao fim da tarde, um bom amigo - tem lá as suas coisas - mas é um bom amigo, numa daquelas conversas banais de "estou aqui a fazer isto e depois vou fazer aquilo" às quais respondemos com a conversa do "pois tu aí e eu aqui a ter que fazer mapas de excel que ninguém pediu", disse-me em tom sarcástico " cada um escolhe a vida que quer", ao que respondi à pressa - há momentos em que as respostas nos saem mais rápido do que a capacidade de as pensar - "cada um escolhe a vida que pode".
A parte restante do dia ocupei-a como faço todos os outros dias. A tentar dar ânimo e consciência de vontade ou necessidade, por outras palavras, a ser um "chato do caraças" para com um outro ser superior, mas este tão superior que me ilumina. A preocupar-me com o seu bem estar, com o seu estado de alma, com o seu brilho de olhar.
Agora que revi a lição, amanhã os meus "tpc's" vão ser os melhores da classe. Gostei do que aprendi hoje.
Os trabalhos em que nos empenhamos sem que ninguém nos peça, aquilo que fazemos por convicção e de coração, afinal mais não fazem do que retirar o sarcasmo e dar todo o sentido a certas coisas que nos dizem. Afinal, a dias de hoje, o que escolhi é mesmo o que quero. E não me interessa o que mais podia escolher. Em suma, a lição de hoje é que mesmo que pareça uma perda de tempo, ele há coisas que valem todo o tempo do mundo. Como Tu.
E amanhã lá estarei eu, todo sorridente, preparado para mais uma lição. Fiquem bem, à luz da Lua.
Hoje ocupei parte do meu dia a elaborar mapas de excel com comparativos de produção de vários anos, analisar desvios, perspectivar correcções. Depois dos mapas feitos tive que encontrar uma forma, um discurso, um método de "embrulhar" as conclusões da análise dos números expostos em mapa para remeter a um "ser" superior e que nada me tinha pedido. Tive então também que arranjar uma forma de fazer com que o discurso parecesse normal, atendendo que ninguém tinha solicitado o trabalho com que ocupei o dia.
Ao fim da tarde, um bom amigo - tem lá as suas coisas - mas é um bom amigo, numa daquelas conversas banais de "estou aqui a fazer isto e depois vou fazer aquilo" às quais respondemos com a conversa do "pois tu aí e eu aqui a ter que fazer mapas de excel que ninguém pediu", disse-me em tom sarcástico " cada um escolhe a vida que quer", ao que respondi à pressa - há momentos em que as respostas nos saem mais rápido do que a capacidade de as pensar - "cada um escolhe a vida que pode".
A parte restante do dia ocupei-a como faço todos os outros dias. A tentar dar ânimo e consciência de vontade ou necessidade, por outras palavras, a ser um "chato do caraças" para com um outro ser superior, mas este tão superior que me ilumina. A preocupar-me com o seu bem estar, com o seu estado de alma, com o seu brilho de olhar.
Agora que revi a lição, amanhã os meus "tpc's" vão ser os melhores da classe. Gostei do que aprendi hoje.
Os trabalhos em que nos empenhamos sem que ninguém nos peça, aquilo que fazemos por convicção e de coração, afinal mais não fazem do que retirar o sarcasmo e dar todo o sentido a certas coisas que nos dizem. Afinal, a dias de hoje, o que escolhi é mesmo o que quero. E não me interessa o que mais podia escolher. Em suma, a lição de hoje é que mesmo que pareça uma perda de tempo, ele há coisas que valem todo o tempo do mundo. Como Tu.
E amanhã lá estarei eu, todo sorridente, preparado para mais uma lição. Fiquem bem, à luz da Lua.