domingo, 23 de novembro de 2008

A neve e a lareira

"Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração. "

(Augusto Gil)

Hoje não pára de nevar em Dusseldorf. Também eu hoje a olho por detrás da vidraça. Ainda não vi, felizmente, nenhuma criança descalça a deixar sulcos no caminho.
Mas confesso que o meu ânimo está a sofrer com tanto branco e com a falta que me fazes para colorir o horizonte. Desculpa, por vezes sou eu a neve do teu desânimo. E não queria.
Da próxima vez que nevar em Dusseldorf, quero-te comigo junto à lareira.

E acho que hoje ainda não te disse que te amo. Amo-te! e fiquem bem, à luz da Lua.

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Trova à Lua