"No teu poema,
existe um verso em branco e sem medida,
um corpo que respira, um céu aberto,
janela debruçada para a vida.
No teu poema existe a dor calada lá no fundo,
o passo da coragem em casa escura
e, aberta, uma varanda para o mundo.
Existe a noite,
o riso e a voz refeita à luz do dia,
a festa da Senhora da Agonia
e o cansaço
do corpo que adormece em cama fria.
Existe um rio,
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema existe o grito e o eco da metralha,
a dor que sei de cor mas não recito
e os sonhos inquietos de quem falha.
No teu poema
existe um cantochão alentejano,
a rua e o pregão de uma varina
e um barco assoprado a todo o pano.
Existe um rio
a sina de quem nasce fraco ou forte,
o risco, a raiva e a luta de quem cai
ou que resiste,
que vence ou adormece antes da morte.
No teu poema
existe a esperança acesa atrás do muro,
existe tudo o mais que ainda escapa
e um verso em branco à espera de futuro."
A ouvir este poema - e quantas repetidas vezes o ouvi, e ainda ouço - travei as minhas primeiras lutas de consciência. Enfrentei os meus primeiros dilemas. Causei os meus primeiros danos. A recitar este poema - e já pouco o recito, confesso - tentei afirmar-me como diferente, mudar o Mundo - que pensava então querer ser mudado. Acompanhou muitas das minhas vitórias, esteve sempre presente na auto-reclusão dos fracassos. No passar dos anos e no acumular de experiências tornou-se-me de tal forma familiar que me fui convencendo que fora feito para mim, ou talvez, por mim - numa outra vida. Engano o meu. Hoje sei. Ao reencontrá-lo agora, à luz da Lua, compreendo o porquê de me acompanhar há tanto tempo. Era já eu a aprender, a conhecer, e sem o saber, a contar e cantar, não um poema por mim e para mim feito numa outra vida, mas sim o poema que lhe entendo pertencer, e agora dedico a uma vida qualquer... Algum motivo havia de ter. ´
Fiquem bem, à luz da Lua.