terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Era uma vez e uma vez foi. Desliguem o complificador e vivam o seu leite! Ou simplesmente, respondam-me: Quanto custa uma vaca?

Sempre gostei de começar as histórias com um "era uma vez". Talvez por me estar gravado na memória de menino nos bancos de escola, ou talvez de forma mais pragmática, porque me faz parecer que estou a contar as histórias a partir de fora e de um tempo passado mesmo podendo não o estar ou não o ser. Mas gosto. E hoje vou fazê-lo:
Era uma vez uma leiteira - lembrár-se-ão, mais que não seja dos livros da primária, que existiam pessoas que vendiam leite porta a porta, transportando à cabeça as vasilhas, por vezes enormes mas sempre pesadas, de leite fresco, que tinhamos que ferver antes de beber pois o dito leite ia parar à vasilha directamente da teta da vaca, sem qualquer tipo de outro tratamento e por vezes com "mistura" do meio envolvente, vulgo curral - que ia alegremente com a sua vasilha de barro à cabeça, cheia de leite - a vasilha - cheia de esperança - a leiteira. Menina nova, arrancada à meninice e aos bancos da escola pela necessidade e tradição familiar. Ia subindo a rua, pela ingrime e escorregadia calçada - não, não se chamava Luisa - e entre os cantados pregões a anunciar a sua presença, a leiteira menina ia pensando na sua vida e fazendo planos para o seu futuro. Pensava ela para si que se a vasilha que carregava à cabeça era suficiente para cem medidas de leite e que vendia cada medida a 10 tostões, se vendesse o conteúdo de toda a vasilha faria 10 escudos. Ora se aplicasse toda a receita na compra de mais leite, seria suficiente para comprar no dia seguinte não uma mas duas vasilhas e que se vendesse estas por inteiro no dia seguinte poderia comprar quatro vasilhas de leite. Se durante um mês vendesse quatro vasilhas por dia, teria ganho o suficiente para comprar uma vaca e passados dois meses seriam já duas vacas suas, o que decerto a obrigaria a ter gente a trabalhar para si e que venderiam mais vasilhas ainda. Estava já a menina leiteira dona de uma grande vacaria e quase a deixar de trabalhar, quando uma pedra mais limada da calçada a fez escorregar e em cacos a vasilha de barro. O leite junto com os sonhos do dia escorria rua abaixo.
Não há mal nenhum em sonhar, mas os olhos devem estar sempre no caminho. Qual caminho? No que se fizer, tal como o Antonio Teixeira nos ensinou. Faz-se caminho ao andar. Mas por vezes o caminho é feito de pedras soltas e podemos perder uma vida a subir e descer calçada, sempre sobre o leite derramado na véspera.
Sei - e assim deve ser - que cada um retirará deste escrito o que lhe aprouver. Eu fico para mim com o "era uma vez". Foi o inicio e foi também o fim da história.

Evitem derramar o leite. Assim não o terão que chorar. E fiquem bem, à luz da Lua.

5 comentários:

Uma vida qualquer disse...

Pior que o leite derramado, não será a vasilha rota?
Beijo

Uma vida qualquer disse...

O que estivermos dispostos a pagar por ela, nos custará.
Beijo

Trovador da Lua disse...

Habituamo-nos a cuidar da vasilha, a remendar a vasilha. Mais fácilmente nos esquecemos de cuidar do caminho.
Beijo

Ana disse...

...porque, afinal, todos sabemos que não vale a pena «chorar sobre o leite derramado» :-)
Uma história cheia de verdade. Se não cuidarmos do caminho, de que nos valem os sonhos a escorrer pela ladeira abaixo?
Bjs

Ana disse...

Ah, já agora e respondendo (ou não) à tua pergunta, acrescento:
Depende, há vacas para todos os preços :-)